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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"Mãezinha do céu, do manto de anil..."





Itabira, maio de 1995.

Eu posso dizer que fui contemplada ao nascer em Itabira. Creio que uma criança que nasce em uma cidade de interior tem uma infância mais ativa que as demais dos grandes pólos urbanos. Por se tratar de uma pequena cidade, existem infinitos paradigmas, tradições e crenças que reforçam os valores passados por nossos pais (até algum dia que a gente cresce e esquece da maioria deles).

Uma das tradições itabiranas que mais me marcou a infância e que acho que não existe mais, é a Coroação de Nossa Senhora. Todo mês de Abril reuníamos na casa da representante paroquial do bairro para ensaiarmos para a tão esperada coroação que geralmente ocorria em maio. O ritual consistia em vestirmos com um longo vestido de cetim nas cores azul ou branco, umas asas de pena de galinha e umas aureolas bem fajutas para parecermos anjos que iriam colocar coroa, véu e outros acessórios na imagem da Nossa Senhora Aparecida.

Eis que no ano em questão, depois de muitos ensaios,na iminência do grande evento, ocorre uma fatalidade: Em um dos últimos ensaios eu esbarro na santa, ela cai e quebra. Sim, eu quebrei a santa de nossa comunidade. Mas foi algo totalmente sem culpa,claro! As organizadoras não sabiam o que fazer. Não havia outra santa do tamanho necessário para a encenação em nenhum lugar. Foi quando minha mãe teve a louca idéia de se passar pela santa quebrada.

Fez logo uma escova no cabelo, passou um quilo de maquiagem clara no rosto e nas mãos e me ameaçou de experiência de quase morte, caso eu contasse para alguém que ela seria a santa a ser coroada. Para surpresa de todo mundo, ela foi colocada ajoelhada no altar sobre um andor carregado por uns seis homens(muito fiéis por sinal.Imagina carregar uma santa de mais de 70 quilos?!)e lá permaneceu imóvel até o fim da coroação.

Como não poderia deixar de ser, ela teve que dar um close né? Forçou uma lágrima que caiu de um olho só, o que causou o maior alvoroço entre a plateia:
_ Ai meu Deus, é um milagre! A santa está chorando! A santa está chorando!!!
Enquanto isso eu esbocei uma gargalhada, mas lembrei da ameaça de quase morte e fiquei quieta até acabar o teatro.
No final quando os fiéis já estavam empolvorosos, criando tumulto para invadir o altar e pedir um milagre à santa, a organizadora pegou o microfone e contou a todos que a santa se tratava da minha mãe.

Algumas pessoas elogiavam a atuação impecável, outras achavam um absurdo e falta de respeito coroarem uma pecadora que ainda por cima tentou enganá-las. Nessa hora eu já estava no meio da bagunça, rindo muito da situação.

Moral da história: "Em santo de carne, pau nele!"